Teologia Brasileira: Há mais de 10 anos sua Teologia Sistemática foi publicada aqui no Brasil e passou a ser adotada por diversos seminários como o principal texto da área. Atualmente, como um dos mais importantes livros de teologia sistemática, a popularidade que ele alcançou demonstra ampla aceitação de suas ideias. A que atribui tamanha aceitação de sua obra no Brasil?
Grudem: Antes de qualquer coisa, vejo isso tudo como o favor e a bênção do Senhor sobre o ensino de sua Palavra. Meu livro, Teologia Sistemática, tem forte fundamento nas próprias palavras da Bíblia. Portanto, quando alguém o lê, encontra muitos versículos bíblicos que citei ao longo do livro. Creio que o fato de ter incluído a própria Palavra de Deus confere à didática do livro muito mais poder e eficácia para tocar o coração e a mente das pessoas.
Um segundo motivo é por eu ter escrito o livro de maneira que pudesse ser entendido por cristãos comuns, não apenas por acadêmicos em seminários e universidades, pessoas que possuem instrução mais avançada. Tentei empregar uma linguagem acessível por todo o livro e, nas situações em que utilizei termos teológicos especializados, sempre busquei antes explicá-los ao leitor.
O terceiro motivo é por eu ter tentado escrever o livro de modo a incluir aplicações práticas para a vida cotidiana. Assim, espero que a fé das pessoas, sua vida de oração, obediência e amor a Deus sejam aprofundadas pela leitura dessa obra.
Teologia Brasileira: Qual é sua avaliação a respeito da contribuição latino-americana à teologia nos últimos vinte anos?
Grudem: Creio que os cristãos no restante do mundo têm sido encorajados e desafiados pela grande fé demonstrada entre os cristãos da América Latina. Acredito também que os cristãos de outras partes do mundo têm sido desafiados pelo notável crescimento da igreja latino-americana, algo que reflete seu profundo amor pelos incrédulos e sua confiança no poder de Deus. Igrejas em diversas regiões da América Latina têm crescido em uma proporção que ultrapassa de longe qualquer fenômeno que esteja ocorrendo na América do Norte ou na Europa.
Creio que a igreja na América Latina tem também servido de estímulo para que outros cristãos ao redor do mundo dediquem mais atenção à tentativa de encontrar soluções de longo prazo às necessidades dos pobres, algo em que estou começando a empenhar-me.
Sinto dizer que não sei ler português nem espanhol; por isso, não posso ler a literatura acadêmica teológica produzida nessas duas línguas.
Teologia Brasileira: O Brasil está sendo cada vez mais exposto ao movimento da igreja emergente.1 Qual é sua opinião sobre este fenômeno? Quais pontos positivos e negativos enxerga nessa nova forma eclesiástica?
Grudem: Sempre aprecio quando igrejas descobrem uma nova ênfase que possa ser atribuída à celebração no culto e ao uso mais difundido da arte no trabalho da igreja. Também tenho apreço por qualquer tentativa de compreender como podemos alcançar com o Evangelho a geração atual de jovens não crentes. Vários segmentos do movimento de igrejas “emergentes” e “em emergência” têm desafiado a igreja dessa maneira.
Todavia, fico profundamente preocupado com a perda de entendimento doutrinário, bem como com a postura de minimizar a importância da doutrina e da fidelidade à Palavra de Deus. Essa é a essência da minha Teologia Sistemática – compreender e, então, permanecer fiel aos ensinamentos da Palavra de Deus.
Se você ler os livros de 1 e 2Timóteo e Tito, por exemplo, ou 2Pedro e Judas, perceberá rapidamente que os autores do Novo Testamento preocupam-se profundamente com o risco de que suas jovens igrejas se desviem, aceitando e tolerando falsos ensinamentos, que afastarão as pessoas de Deus e da fidelidade a ele. Em último caso, se uma igreja se desviar muito em sua compreensão doutrinária e permitir que falsos mestres tomem conta de seus púlpitos, o favor e a bênção de Deus serão retirados dessa igreja.
Às vezes, fazemos uma distinção entre as igrejas “emergentes” [emergent churches], que se tornaram bem mais liberais em sua doutrina, e as igrejas “em emergência” [emerging churches], que às vezes são muito mais conservadoras e fiéis à Palavra de Deus (embora aqui também encontremos variações).
O ponto principal é preservar a importância de sermos fiéis a toda a Palavra de Deus, em especial no que diz respeito às pessoas autorizadas a ensinar nas igrejas e escrever para editoras cristãs.
Teologia Brasileira: As ideias propostas pelo “teísmo aberto” têm suscitado diversos debates aqui no Brasil. Alguns teólogos de igrejas tradicionais e pentecostais têm sido favoráveis à adoção desse movimento teológico. Essa tendência é alimentada por tragédias no cenário internacional, tal como o aumento do terrorismo, as recentes tsunamis e o acidente da Air France. Como o senhor enxerga o “teísmo aberto”? Esta teologia poderia de algum modo ser útil para as igrejas ou seria ela apenas mais uma teologia que precisa ser enfrentada e refutada?
Grudem: Creio que o “teísmo aberto” é um ensino muito perigoso. Existem mais de 2 mil passagens na Bíblia mostrando que Deus conhece o que os seres humanos farão no futuro [Uma lista de 2.353 profecias desse tipo foi compilada por Steven C. Roy, que a menciona em seu livro How Much Does God Foreknow? (Downers Grove: IVP, 2006). Essa lista está disponível para download em http://www.ivpress.com/title/exc/2759-lists.pdf]. O “teísmo aberto” contradiz a força que todos esses versículos possuem. Nega ainda a doutrina da onisciência divina, a ideia de que Deus conhece todas as coisas que aconteceram e acontecerão, e até mesmo todas as coisas que poderiam ter acontecido, mas não aconteceram!
Os defensores do “teísmo aberto” são obrigados a redefinir “onisciência” de maneira especial, de modo que signifique apenas que Deus conhece tudo o que é possível conhecer; logo em seguida, dizem que não é possível conhecer o futuro. Ao fazerem isso, eles impõem seu limitado conhecimento humano acerca do que é “possível” conhecer ao infinito caráter de Deus, o que é um erro. Além disso, retiram a força de um número avassalador de versículos bíblicos.
O problema de negar que Deus conhece nossas escolhas futuras é que essa atitude reduz drasticamente nossa capacidade de confiar em Deus. Como saberemos se o direcionamento que Deus nos dá é sábio, quando Ele mesmo pode não saber quais eventos futuros nos sobrevirão? Como poderemos confiar que ele nos conduzirá para um futuro que Ele próprio nem conhece?
Em Isaías 45.21 e Isaías 46.9,10, Deus se diferencia dos falsos deuses das religiões pagãs, dizendo ser o único que consegue saber o futuro. É assim que Ele mostra ser o único Deus verdadeiro. E é por isso que suas profecias sempre se cumprem. Os teístas abertos são obrigados a transformar as profecias de Deus em meros palpites sobre o que está para acontecer ou, então, em exceções ao ensinamento deles. Porém, não é essa visão de Deus que a Bíblia ensina.
Um livro recente muito útil sobre esse assunto é God’s Lesser Glory: the diminished God of Open Theism (Crossway, 2000), de Bruce Ware.2 Ver também um estudo bem minucioso feito por Steven C. Roy, How Much Does God Foreknow? (IVP, 2006).
Teologia Brasileira: Uma das maiores queixas contra a teologia sistemática é o fato de ela ser apenas de uma reflexão teórica sem nenhum atrativo prático para a aplicação no dia a dia. Qual é sua reação a esse tipo de comentário? Como a teologia sistemática contribui para a vida diária dos cristãos contemporâneos?
Grudem: Conforme expliquei acima, acredito que um dos motivos que levaram os cristãos a reagirem tão positivamente à minha Teologia Sistemática foi o fato de ela conter, no final de cada capítulo, questões para aplicação prática.
Certa vez, eu estava pensando sobre os livros mais densos do Novo Testamento, doutrinariamente falando, tal como Romanos, Efésios e Hebreus. Será que existe alguma aplicação prática nesses livros? É claro que sim! Neles existe muita aplicação! Depois, pensei comigo mesmo: se o Novo Testamento nunca ensina teologia sem aplicação, por que nós deveríamos ensinar? Será que não devemos também incluir aplicação para a vida, sempre que ensinarmos teologia sistemática? Foi isso que me levou a incluir na Teologia Sistemática essa ênfase na aplicação prática.
Teologia Brasileira: Qual é sua opinião sobre as propostas apologéticas usadas por evidencialistas e pressuposicionalistas quanto às “evidências a favor da existência” de Deus?
Grudem: Se eu tivesse de escolher um dos lados do debate, ficaria do lado dos pressuposicionalistas. Eles nos recordam que, ao falarmos com um não crente, todos os fatos do universo são, em última análise, compreendidos de maneiras diferentes pelo não crente e por nós, cristãos. Isso acontece porque colocamos todos os fatos no contexto do propósito geral de Deus e de seu controle total do universo. Cada fato tem uma função, seja para levar adiante o reino de Deus e aumentar sua glória, seja para outros propósitos que não implicam glória a Deus. Portanto, pensando dessa maneira, creio que devemos lembrar-nos de que não existem fatos “neutros”, quando conversamos com descrentes. Eles enxergam cada fato no contexto de sua cosmovisão, que é contrária à cosmovisão bíblica.
Por outro lado, sou a favor de todos os tipos de evidências e argumentos, desde que ajudem a levar não crentes mais perto de depositar sua confiança em Jesus Cristo como Senhor e Salvador. Recordo-me de uma vez em que estava conversando com uma mulher sentada ao meu lado no avião, que se dizia ateia. Falava-lhe sobre minha crença em Deus e confiança em Jesus Cristo, mas ela era uma ateia convicta. Então, quando o avião aterrissou, recebi uma mensagem de texto no meu celular e a li. A mulher fez algum comentário sobre as maravilhas da tecnologia da telefonia celular e eu respondi: “Sim, mas você sabia que ninguém criou este celular? Ele surgiu por acaso, a partir de vários materiais da terra!”.
Ela riu, mas entendeu a que ponto eu queria chegar com meu comentário. Ela pensava que todas os seres vivos do universo surgiram simplesmente por acaso, mas não conseguiria crer na mesma visão em relação a um simples telefone celular. Sendo assim, sou a favor do emprego de evidências, onde quer que possam ser usadas, mas sempre lembrando que os não crentes abordam cada fato a partir de pressupostos diferentes dos nossos.
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1 Para um estudo mais aprofundado do movimento da igreja emergente, recomendamos a leitura da obra: CARSON D. A. Igreja Emergente. O movimento e suas implicações. São Paulo: Edições Vida Nova, 2010. [N. do T.]
2 Recomendamos ainda, do mesmo autor, o livro Ware. A. B. Teísmo aberto: a teologia de um Deus limitado. São Paulo: Edições Vida Nova, 2010. [N. do T.]
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